American idol
Uma vez olhou – como Clarice, ele se demorou olhando para fazerem existir algumas coisas. E esse olhar demorado encontrou outro. Daquele instante em diante, estavam juntos. Só deixaram de se olhar quando isso não foi mais possível. Um olhar havia se fixado no outro, pois era recíproco. Daquele instante em diante, não era mais preciso ser mais nada. Foi perdendo o interesse nas pessoas.
Um final possível seria ter se tornado um eremita, com unhas e cabelos no para-sempre, e logo em seguida morrido. Porém, preferiu tomar um outro caminho.
Ouviu, entretanto, um elogio indireto aquele dia. E mais outro, de tabela. Aliás, ouviu mais. Logo pela manhã, a tia lhe telefonara carinhosa, me dizendo que eu era um leitor especial. Depois, ouviu a aluna lhe falar de uma outra professora sua, que, em sala de aula, citara um poema – ele sabia que esse poema, que poderia se chamar de "Kaos", era sua defesa contra a argumentação da tal professora. E, sabia-o bem, ele que havia apresentado o poema à professora. Mais tarde, essa mesma professora lhe dizia que, num discurso de posse, o diretor o citara nominalmente em um elogio aberto à comunidade.
Então, tão elogiado que fora, resolveu mudar o curso das coisas. Apaixonou-se pela idéia de apaixonar-se. E seu olhar passou a procurar, para fazer existir. Parecia uma fórmula matemática complexa, mas acho que ele não acreditava nisso nem um pouco. Porque, senão, bodava rapidamente. Voltava a escrever um pouquinho. Chorava, um pouquinho também. Certas idéias o faziam chorar. Principalmente, a ingenuidade fazia-o chorar. E também Bach – a generosidade. A atenção, e todas aquelas coisas luxuosas. O amor.
A gente ouve o silêncio. It just did change the way I feel things. Com menos, ao invés de mais, menos pessoas, menos planos, menos ilusões, menos metas, menos caminhos, estava aprendendo a ficar sozinho. O que é o mesmo que aprender a morrer. Aprender a morrer é aprender, e ninguém nunca saberá, ninguém nunca poderá dizer. Ou seja, pode ser como aprender um aprendizado sem fim. Retornando, é aprender a fazer uma passagem para o desconhecido. Aprende-se isso no Kaos: tornando-se íntimo do desconhecido, recebendo-o em vida.