A estrutura
Todas as áreas são objeto de cuidado. Tanto as cobertas quanto as não cobertas, nas coberturas ou nos rés-do-chão. Todos os limites são apresentados. A cidade é um oásis. Sua ocupação é densa. Não há restos. Qualquer área já foi objeto de algum projeto e obra. Não se fala mais em cidade-refúgio x vastidões ignotas, pois essas últimas não existem mais.
Ainda que cada edifício se proponha a organizar alguma coisa, o conjunto, diferentemente, não personifica a ordem. Algo do não-projetado se mescla com o projetado. O aleatório participa desse jogo. Como?
Se todos os milímetros quadrados representados nessa imagem foram, algum dia, objeto de projeto e obra, a superposição dessas histórias de desenho irregular nos os apresenta como que restos de histórias. Vejo vestígios desconexos, e não tenho mais acesso às suas racionalidades, isto é, olho para um pedacinho da imagem e fico achando que é irracional, mas não é. O conjunto apresentado na imagem não é objeto de um projeto, mas ali vários pedaços de história se entrelaçam, fazendo com que o observador acredite estar diante de uma imagem sem racionalidade alguma que a geste.
Então, o aleatório não participa de um modo, e participa de outro. Não é um aleatório projetado por alguém (alguma racionalidade qualquer). Não é um aleatório desejado ou imposto. Porém, é algo que está aí e que condiciona os projetos. Sempre estará aí, pois se um projeto é, mais que um projeto de coisa, projeto de relações, então ele está, continuamente, lidando com o que desconheço.
Esse me parece um medo generalizado entre os projetistas que conheço. Fazer um projeto de coisa (em oposição a um projeto de relações) gera, frequentemente uma relação especular entre o arquiteto e a obra. Filhos do iluminismo, período quando os homens cobriam o rosto com pó de arroz e usavam perucas, o arquiteto sente-se obrigado a fazer daquele trabalho uma extensão de si. Para isso, ornava-se e ornava-o com os melhores atavios. Precisava estar apresentável: o projeto era um instrumento de propaganda do projetista. Momento seguinte, ao ver-se do lado de fora, o arquiteto é tomado por obsessões curiosas: ou ele se acha lindo ou, contrariamente, medonho. No primeiro caso, narciso apaixonado, se torna presa do que sua cabecinha compreende como sendo o seu ideal: aquilo que ele gostaria de ser. No segundo, ferido, ele nunca mais vai querer ouvir falar em projeto arquitetônico. Durante a escola, essa alma vai-se identificar com aqueles que, como ele, detestam projeto – muitas vezes pelas mesmíssimas razões. Há-os de vários tipos: aqueles professores de projeto que nunca fizeram projeto; aqueles que acham que "não precisa fazer projeto" [sic], e que crêem que essa afirmação não necessita um mínimo de delimitação ou circunstanciamento, para ficar minimamente compreensível; há professores que preferem livro a desenho; há professores que têm a cara de pau de ensinar uma coisa que não sabem.
Isso precisa explicação. Parto da hipótese de minha tese: não há método para projeto. Nem há um corpo de conhecimento (nenhuma categoria) definitivo, estável, isto é, dotado das características do ser, ou delimitação disso possível, que seja necessário e suficiente para o ensino do projeto. A partir daí, não há um corpus a ser transmitido entre mentes. Na falta disso, não se tem o que ensinar. Costumo dizer que projeto não se ensina, mas se aprende. Taí a explicação para o final do parágrafo acima. Projeto não se ensina, e se não há um corpus suficiente, os professores não são detentores de saber algum a ser transmitido. Eles não sabem pois não há nada a saber. Mas, fascinados pelos corpus, como em sedução erótica, eles vestem as roupas novas dos reis.
Porém, horror vacui. É intolerável o vácuo, a inexistência de qualquer coisa que sirva como fundamento para o projeto. Se é intolerável, é também misterioso: mas como assim, pode nada haver em local de onde surgem coisas? Na falta, quaisquer conteúdos são utilizados para preencher o vazio. Se alguns acreditam nisso, e encobrem-no com pó de arroz, outros andam preferindo deixar o caso em aberto.
