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27 de jan. de 2008

as fotos que eu faço

para falar sobre mim mesmo, ou alguma coisa que faço, é preciso saber que essas coisas aí são apenas exercíos de escrita, brincadeiras que me proponho fazer, sem pretensão de pose, retrato fiel, ou ainda revelação profunda. sem essa carga, um dia vai ser possível que eu venha a escrever também desse mesmo modo, numa constante faxina das coisas desnecessárias.
agora me ocorreu o medo de ir gostando das faxinas cada vez mais, e assim ir encolhendo gradativamente até sumir. como aquela que li outro dia, que escrevia para desaparecer. amor fati.
não dá para querer ser simples, sem rodeios. mas também, a complexidade não tem como ser ensaiada. ela está aqui, e escrevo para desdobrar a mim e ao mundo. tolice seria querer compreender.
quando eu resolvo fazer uma foto, acontece de as pessoas fazerem pose. aí eu desisto da foto. não gosto daquelas fotos onde as pessoas querem aparecer de alguma maneira determinada, seja qual for. é como se o retrato precisasse mostrar alguma coisa que essas pessoas gostariam de ser, ou um modo como gostariam de aparecer. não tenho paciência com essa coisa de separar esses dois universos - o do ser e o do aparecer. o do eterno e o do fugaz. e essa tendência minha aparece (será?) em toda minha produção. daí que tenho um artigo, já recusado pra publicação, e nunca terminado, chamado "projeto identidade". lá, critico essa pretensão de fazer da identidade um projeto a ser cumprido.
gosto da complexidade das coisas que aparecem sem ensaio. gostaria de viver nesse mundo, onde o peso de ser alguém para aparecer não fosse mais que um capítulo em minha estória. um dia, quando eu me for, vou virar estória. por falar nisso, outro dia me apavorei com a idéia de que, depois que eu sumir, esse blog não sumirá, e continuará para uma espécie de eternidade, aflitiva como o sono final de AI.
então resolvi fazer essa foto aí, de mim mesmo. ao contrário do que pode parecer ser, ela não foi tão ensaiada assim. eu queria ver um pouco meu rosto, visto por olhos de outro: no caso, o outro é a câmara barata acoplada no pc. por falar nisso, sempre convivi com o fato de que, em meus arquivos de fotos, eu praticamente não apareço. sou sempre o fotógrafo. que saudade de não ser um outro, que aparece, pelo menos mais que quase nada, em seu próprio arquivo. minhas fotos são um pouco do meu modo de ver. ando meio ausente. qual remédio há?
diferente das demais, pus essa foto pequenina para que ela não mostrasse muito, para que ela não mostrasse muito minha casa nova e vazia, vazia de mim, vazia de amigos e amores, vazia de alegria, para que não publicasse muito meu rosto, também sem alegria, de farol baixo, e afundando...
afundando por falta de relevancia, de sentido, competência, amor (daqui para lá e de lá para cá) por ruindade, por preguiça, como acho que qualquer um se sente às vezes, quando está sozinho. sei que não sou assim o tempo todo, com certeza. mas agora estou sendo. já fui várias coisas neste blog, e quero ainda ser várias outras. o problema é quando o farol baixo me impede de querê-las. mais uma vez, escrevo. para me ler. e vai ser uma arte afundar sem choramingar.
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o peso formidável (nietzsche, a gaia ciência 341)
e se, durante o dia ou à noite, um demônio te seguisse à mais solitária de tuas solidões e te dissesse: - esta vida, tal qual a vives atualmente, é preciso que a revivas ainda uma vez e uma quantidade inumerável de vezes e nada haverá de novo, pelo contrário! - é preciso que cada dor e cada alegria, cada pensamento e cada suspiro, todo o infinitamente grande e infinitameante pequeno de tua vida aconteça-te novamente, tudo na mesma seqüência e na mesma ordem - esta aranha e esta lua entre o arvoredo e também este instante e eu mesmo; a eterna ampulheta da existência será invertida sem detença e tu com ela, poeira das poeiras! não te lançarás à terra rangendo os dentes e amaldiçoando o demônio que assim tivesse falado? ou então terás vivido um instante prodigioso em que lhe responderias: "és um deus e jamais ouvi coisa mais divina".
se este pensamento tomasse força sobre ti, tal qual tu és, ele te transformaria talvez, mas talvez te destruísse também; a questão: "queres ainda e uma quantidade inumerável de vezes", esta questão, em tudo e por tudo, pesaria sobre todas as tuas ações com peso formidável! ou então quanto te seria necessário amar a vida e a ti mesmo para não desejar outra coisa além dessa suprema e eterna confirmação!