Por vezes era carcomido por idéias tenebrosas. Então punha-se a escrever, para ver se alterava tal estado de coisas. As idéias tenebrosas eram fugidias, e assim que resolvia se meter com elas, percebia que elas iam para outro lugar que não a sua cabeça.
Pois estava às voltas com uma coisa que nunca havia conseguido resolver direito em sua vida: a exclusão. Era, assim, excluído da possibilidade de uma realização pessoal – a realização de sua vida. Parava de tentar resolver isso, deprimido e aturdido, para se ver, adiante, de novo metido com a coisa. Vendo-se, achava que, desde o último round, não havia progredido nada. Vivendo uma vida de estrangeiro, por vezes achava que a mãe seca de seu pai havia razão quando disse a ele que este mundo não é nosso. Criança, havia sido excluído de algo que se passava entre seus pais. Adolescente, havia sido excluído do grupo de homens que recebeu, do pai, a noção de que o mundo seria uma espécie de parque de diversões grátis. Não era. Podia ser para outros, e aliás ele acreditava que certamente era para alguns, dado o modo convincente como esses falavam das coisas prazerosas que faziam. Seria comércio aquilo? Será que falavam de modo convincente só para acreditarem na coisa através do expediente de fazer os outros acreditarem? Não tinha respostas para essa pergunta, como não tinha para muitas. Tinha acabado de ouvir de um amigo que as respostas têm utilidade zero. Concordava: sua vida se parecia mais com uma sucessão de perguntas, cada vez mais cabeludas. O português tinha que ir melhorando, para acompanhar a complexidade da coisa toda.
De algum modo, fazia também o seu próprio advogado do diabo: mais da metade do que escrevia era lixo, e na outra metade acreditava pouco. Por exemplo, não dava conta de evoluir uma estória onde uns imbecis ficam de bacana só porque seus papais não os ensinaram a enxergar adiante dos próprios narizes. Ainda assim, sua coisa escrita era meio um embuste: quem eram esses de quem falava? Névoa-nadas. Não existiam, salvo nos seus textos. Adorava generalizar para escorregar das questões complicadas nas quais se metia. Generalizava para evitar mexer com o assunto da exclusão. Explicava-se: generalizando, não encostava em ninguém. Através dessa artimanha tratava com gavetas - não com pessoas. Fingindo lidar, desse modo, com pessoas, evitava-as a todo custo. Guardava a sete chaves o lugar do excluído para não lidar com assuntos assustadores. Assuntos que não dominava, assuntos que não podia fazer dobrar diante de sua vontadezinha. Assuntos que não existiam ainda, e nunca existiram, pois que para tanto seria necessário mais um, além dele.
Assim, brigava. Sua vida era uma sucessão de brigas, contra inimigos ora nítidos, ora sombras. Amadurecia aos poucos, deixando as sombras sombras. Tinha coisas que não compreendia. Assim, ignorante, cada vez com os miolos mais frouxos, relaxou e, num último suspiro, foi-se. Isso aqui vai ser revisto mil vezes – na 14.400ésima vez, ele consegue.